Casa #2

A nossa primeira coisa tornou-se rapidamente num lar. Não foi por não nos sentirmos bem na nossa casa que quisemos mudar; o que nos tirou dali foi a zona.

Quando fomos viver para Lisboa conhecíamos mal a cidade da perspectiva do habitante mas gostávamos particularmente do Parque das Nações. Depois viemos a perceber que os lisboetas não adoram por aí além essa zona porque dizem que "não é Lisboa". Nós gostamos.Gostamos antes de ir para lá, quando fomos para lá e depois de quatro anos ali a viver e de termos conhecido o resto da cidade, continuou sempre a ser a nossa zona preferida. Não prevemos voltar a Lisboa, mas se um dia o fizermos, será certamente para o mesmo sítio.

Começamos a procura de casa e vimos algumas antes de escolher a nossa. O anúncio na agência imobiliária mostrava imagens de um sitio caótico, que parecia até antigo mas não no bom sentido.

Fomos visitar a casa e era exactamente assim: um caos de móveis e tralha, quase não se dava um passo. Adorei-a de imediato. Tinha um encanto vintage. 

Era um T2 enorme. uma cozinha de vinte e tal metros quadrados, quartos gigantes, uma sala espectacular. Tinha também alguns defeitos, que durante a maior parte do tempo nem demos por eles e que só se revelaram muito mais tarde. Por exemplo, o chão da sala era em mármore branco. Não foi um problema até a C. começar a gatinhar e estar sempre em chão muito frio. De resto, dava apenas um ar menos acolhedor. Além disso, era ligeiramente demasiado hi-tech: as luzes acendiam sozinhas quando achavam que estava escuro e os estores abriam e fechavam quando se lembravam. Não ter controlo sobre a luz, iluminação em geral não era de facto a melhor coisa do mundo.

Como esta casa era muito maior que a anterior, à mobília que já tínhamos fomos acrescentando alguns detalhes. A sala dava-se a um cantinho de leitura, com dois cadeirões, uma pequena mesa, um candeeiro. O hall de entrada era só por si uma divisão, que pedia mesmo uma cómoda à medida (mais uma vez, 8&80 de Campo de Ourique, love you so much). Na cozinha criamos uma zona independente de lavandaria, com recurso a uma estante enorme, já para não falar de todo um quarto de bebé que montámos no ano seguinte. Acumulamos uma quantidade substancial de coisas,que nos deram cabo da cabeça na altura de mudar, mas uma parte grande da história escreve-se exactamente com elas.

Assinamos o contrato que nos pôs ali no mesmo dia em que chegamos do México. Eu vinha de tal forma afectada pelo jet lag, que mal falava. Assinei a custo, não li uma palavra, mas estávamos imensamente felizes. As mudanças fizeram-se nas calmas (pelo menos agora em perspectiva é o que me parece) e viva a nossa casa nova.

Fizemos ali imensos aniversários, jantares, lanches, convívios. Recebemos a família toda, várias vezes para dormir, fizemos verdadeiros acampamentos na sala, tivemos lá todos os amigos. A F. viveu lá um semestre para acabar a faculdade. Tivemos um peixe, Robalo.

Foi naquela casa que anunciamos a nossa gravidez. Foi dali que saímos às oito da manhã, a correr para ela ir nascer no Porto, porque eu já estava em trabalho de parto. Foi ali que a C. cresceu, aprendeu a andar e a cantar e a dizer algumas palavras. Foi naquela casa que fizemos a festa do primeiro aniversário.

Para além da casa, adorávamos a zona. O Parque das Nações é um sítio especial. Passamos a viver muito menos Lisboa e muito mais a nossa zona. Íamos a pé ou de bicicleta para o trabalho, tudo se fazia andando. O carro ganhou teias de aranha na garagem mas era tudo muito confortável, quase num bairro. Também já escrevi sobre isso, à despedida.

Nos anos em que vivemos em Lisboa viemos centenas de vezes ao Norte. As viagens eram imensamente cansativas e tornaram-se "praticamente impraticáveis" depois de termos tido uma bebé que, ainda por cima, odiava andar de carro. Acabamos por encontrar uma fórmula mágica e passamos a viajar à noite, o que significa que chegamos muitas vezes a Lisboa à uma ou duas da manhã de domingos, para ir trabalhar no dia seguinte.

Sentíamos uma distância grande às bases, às raízes, à família. A decisão foi muito difícil mas tomada com certezas. Foi numa viagem Porto - Lisboa, A1 fora que finalmente nos decidimos pela mudança de que andávamos a falar há meses. 

A procura de casa nova foi um filme de terror, de que já falei também algures. Vimos vinte e uma casas e acabamos por ficar precisamente com a vigésima primeira. O processo de mudança foi como uma casa assombrada - medo, muito medo. Nada disso interessa agora.

Deixamos muitos amigos em Lisboa, que é do que mais temos saudades, mas esta casa vai também ser sempre recordada com muito carinho. Fomos imensamente felizes aqui e guardamos as melhores recordações. Não queríamos ter ido para Lisboa quando fomos mas sem dúvida que mudamos de ideias e levaremos sempre esta cidade, e a nossa casa, num lugar muito especial do coração.

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